miércoles, 11 de noviembre de 2020

A Galinha que perdeu a pena

 

Autoria da imagem: Jose Luis Ramirez Bohorquez


Autora do texto: Thatiane Moreira

Em uma fazenda não muito longe daqui morava uma Galinha, ela tinha as penas todas pretinhas, exceto por uma pena pequenina, toda branquinha, que nascera ninguém sabe porque, bem na região da barriga.

A galinha cuidava muito bem da peninha branca: todos os dias de manhã a lavava e a secava ao sol, de modo que estivesse sempre brilhante. À noite, dormia protegendo a pena com as asas. E não ia para nenhuma parte antes de esfregá-la três vezes.

Alguns animais da fazenda chegaram até a estranhar o zelo da Galinha por uma única pena. E diziam para ela: “Senhora Galinha, porque tamanho cuidado com esta peninha? As outras penas do seu corpo também não são importantes?”. Ao que ela respondia: “Claro que sim. Todas as penas protegem o meu corpo, mas esta pequenina é diferente, ela não só protege como também me dá sorte. Ela é minha pena da sorte”.

A cada dia que passava, a fixação da Galinha por sua peninha branca só aumentava. Chegou até ao ponto dela brigar com a pata Querém, acusando-a de tentar roubar sua peninha da sorte. Depois deste episódio, poucos foram os animais da fazenda que ainda conversavam com a Galinha. Para ser mais precisa, apenas o cachorro Caramelo e a gatinha Firmina se aproximavam da Galinhaa, os demais temiam serem acusados injustamente de tentativa de roubo ou sequestro da peninha branca.

Os dias foram se passando e a Galinha se mantinha cada vez mais isolada. Passou a conversar com a peninha branca, de modo que parecia que esta respondia às indagações. O marreco Julião saiu espalhando pela fazenda que a Galinha estava maluca. Onde já se viu conversar com uma pena!

Quando os dias quentes de verão chegaram, os animais da fazenda foram se refrescar nas águas do rio, exceto a Galinha, que de tanto medo de perder sua pena da sorte não saia mais do galinheiro. Mas, quis o destino que uma forte tempestade, daquelas completas, com raios, trovões e ventos intensos, arrancasse o telhado do galinheiro. Foi um tal de galinhas e pintinhos correndo de um lado para o outro, desesperados no meio daquele temporal. O galo Francisco não se fez de rogado, entrou por uma janela e foi parar no quarto de Dimas, o dono da fazenda.

Nesta confusão toda, a Galinha não sabia se corria ou se protegia a peninha branca. Ela foi tentar abrigo no curral dos cavalos, tentou achar um lugar para ficar, era impossível, estava lotado demais. Foi então para o chiqueiro dos porcos, lotado também. Correu para a cabana dos patos, não encontrou nada, sem espaço também. Ficou zanzando de um lado para o outro da fazenda, sem achar parada.

O vento era tão forte que quase a levantava do chão. Se continuasse ali, seria a primeira galinha do mundo a voar. Foi então que ouviu um barulho diferente. Era o Caramelo. Respirou fundo, tomou coragem e, sem conseguir enxergar nada, começou a seguir os latidos do amigo.

Quando se aproximou um pouco mais, pode ouvir com clareza: “Venha aqui Galinha, tem lugar na minha casa”. O corpo da Galinha doía todo, pena por pena. O cachorro então completou: “Venha aqui, entre para se aquecer”. Enquanto abria espaço para que a Galinha pudesse entrar.

A casa do Caramelo era maior do que parecia por fora, bem quentinha e aconchegante. “Obrigada”, disse a Galinha ainda ofegante da caminhada. A chuva deu uma trégua, seus raios e trovões foram embora, mas uma cortina fina de água continuava a cair sobre a fazenda. A Galinha estava tão cansada que dormiu minutos depois de chegar na casinha de Caramelo.

Quando o dia raiou o galo Francisco cantou, a esta altura já havia sido expulso da casa do dono da fazenda, e se posicionava altivo sobre um toco de madeira. A Galinha acordou de supetão, assustada. “Nossa que noite”, disse o cachorro. “Nem me diga”, respondeu a Galinha, saindo da casinha para esticar as asas e pernas. Foi então que perceber a tragédia. Cadê a peninha branca? Um frio assustador congelou a barriga da galinácea, suas perninhas finas começaram a tremer.

Com a respiração ofegante, e com um nó que apertava a garganta voltou correndo para a casinha do cachorro, olhou de um lado e do outro, nada. A peninha não estava lá. Caramelo, percebendo o desespero da hóspede, perguntou “O que aconteceu? Porque está tão desesperada?”. “Perdi, Perdi... a minha peninha… branca, minha peninha da sorte”. Disse a Galinha em voz de desespero. “Calma, vamos procurar, ela deve estar em algum lugar por aqui. Onde você esteve ontem a noite?” Respondeu o cachorro, procurando acalmar a Galinha.

Quando o teto do galinheiro voou, eu fui para o estábulo, para o chiqueiro e para a cabana dos patos, estava tudo lotado, depois vim para cá”. Disse a Galinha, mal conseguindo pronunciar as palavras. “E, você lembra quando viu sua peninha pela última vez?”, perguntou Caramelo, que adorava solucionar um mistério. “Eu a vi quando estava dormindo no galinheiro, eu sempre durmo com a asa na peninha branca, para protegê-la”, disse a Galinha, enquanto passava a aso pela barriga, no lugar que costumava ficar a peninha branca.

Vamos começar pelo galinheiro, ou pelo que restou dele”, disse Caramelo, liderando a caminhada. Ao chegarem, encontraram o dono da fazenda que trabalhava para consertar o telhado. Eles tentaram entrar no dormitório das galinhas, mas foram impedidos por Dimas, que estava com cara de poucos amigos. “Melhor irmos para o estábulo”, constatou Caramelo, ao perceber a irritação do dono da Fazenda.

No caminho para o estábulo eles encontraram a Firmina, que vinha toda requintada, com seu laço amarelo no pescoço. “O que vocês dois estão fazendo correndo por aí?”, perguntou a gatinha intrigada. “Estamos solucionando um enígma”, respondeu Caramelo, todo misterioso. “Mistério, adoro mistério, posso brincar com vocês”, empolgou-se Firmina. “Não é uma brincadeira, eu perdi minha peninha branca”, replicou a Galinha já em prantos. “Desculpe Galinha, não quis ofender você, não sabia que tinha perdido a peninha branca, sei o quanto ela significa para você. Posso ajudar a encontrar se quiser”, respondeu a gatinha, um pouco sem jeito.

Resolvido o mal entendido, lá foram os três amigos, a procura da peninha branca. Ao chegarem ao estábulo encontraram o cavalo Mathias, que comia um pouco de grama ali por perto. “Vocês três, venham aqui, por que estão entrando na minha casa?”, indagou o cavalo, intrigado com a situação. “Bom dia Mathias, desculpe, eu não vi você. Estamos procurando a peninha branca da Galinha, ela perdeu durante a tempestade. Você por acaso não a viu por aí?”, explicou Caramelo, diplomático como sempre. “Você está falando da peninha da sorte?”, inquiriu o cavalo. “Sim, você a viu?”, animou-se a Galinha, com a esperança de rever a peninha. “Não vi nada de peninha da sorte aqui no estábulo”, respondeu Mathias. “Você se importa se formos procurar mais um pouco?”, quis saber Firmina. “Por mim tudo bem.”, concordou Mathias, enquanto voltava a comer sua grama, sem entender muito bem porque toda aquela preocupação por causa de um simples peninha.

Nem sinal da pena no estábulo. Chegou a vez do chiqueiro. Nada também. Os porcos quase morreram de rir quando souberam que os três amigos estavam procurando a peninha branca. Até fizeram apostas entre si, alguns achavam que a peninha seria encontrada e outros não. A notícia se espalhou, de modo que a busca pela peninha branca virou assunto da fazenda.

Quando os três amigos chegaram na cabana dos patos, já estavam sendo aguardados. Cada pato começou a contar uma história mais mirabolante do que outra sobre onde estava a peninha branca, todas mentiras, é claro. Eles queriam se vingar da falsa acusação de tentativa de roubo que a Galinha fez à Pata Querém.

A Galinha que no início estava com esperanças de rever sua pena da sorte, começou a desanimar, e ao perceber a fanfarrice dos patos, saiu correndo, indo se esconder atrás do tronco da grande mangueira. Caramelo e Firmina foram socorrer a amiga, mas a Galinha estava muito nervosa e não quis saber de papo. “Vamos continuar procurando, sei que vamos encontrar sua pena da sorte. Somos seus amigos, e amigos são para estas coisas.” Disse Caramelo, no tom mais amigável possível. “Amigos, vocês não são meus amigos. Minha única amiga era a peninha branca. Vocês não se importam comigo, só querem se divertir”, respondeu a Galinha, enquanto escondia o rosto entre as asas.

Firmina e Caramelo ficaram muito ofendidos com a resposta da Galinha, eles pensavam que eram amigos. Sem entender porque a Galinha tinha sido tão rude, cada qual foi para seu lado, sem dizer uma palavra. A Galinha se viu então sozinha, e decidiu que ia procurar sua pena por conta própria, não precisava de ninguém mesmo. E assim o fez, buscou por toda a tarde, em todos os lugares possíveis, estava exausta. Nem sinal da peninha branca.

A lua já começava a despontar, cada animal se dirigia para o seu cantinho. No caminho para o galinheiro, que agora tinha telhado novo, a Galinha encontrou Caramelo. Ela até pensou em dizer “boa noite”, mas não deu tempo, o cachorro se virou e foi embora.

Cansada, sozinha e sem a peninha branca a Galinha foi dormir. Assim que amanheceu, a Galinha saiu em disparada para continuar a sua busca solitária pela peninha, o que se repetiu no dia seguinte, e no seguinte, e no seguinte. Enquanto os demais animais se divertiam, inventando novas brincadeiras, a Galinha insistia na busca pela pena da sorte.

Até que um dia, enquanto procurava nos arredores da estrada, ela viu um pavão, todo majestoso. Ela conhecia pavão só de ouvir falar, nunca tinha visto um antes, deve ter se perdido de alguma fazenda. “Ola Galinha, o que está procurando”, indagou o pavão, que a propósito se chamava Balsánio. “Não interessa, é coisa minha. E eu não posso ficar perdendo tempo com conversa fiada”, bradou a Galinha, que vinha ficando mais ranzinza dia após dia. “Eu não quis ofender você, mas se me disser o que procura, posso ajudar a encontrar”, respondeu Balsánio, com toda a calma do mundo. “Eu procuro minha peninha branca, uma que eu costumava ter aqui na barriga, mas que agora não sei onde está. Ela é muito importante para mim. É minha pena da sorte”, expôs a Galinha, que na verdade estava cansada de não ter com quem conversar. “Entendo, pena da sorte é algo muito importante, ela nos protege, nos faz companhia, e sempre podemos contar com ela, não é verdade? Assim como um bom amigo. Quem me dera ter algo assim. Se eu, por ventura, perdesse algo tão valioso, também ficaria desesperado”. Disse Balsánio, com ar pensativo.

A Galinha ficou sem saber o que responder. Balsánio então completou: “Olha aqueles amigos brincando, eles parecem se divertir. É muito bom ter alguém para dar risada junto, você não acha?”, observou Balsánio, enquanto a Galinha mirava Firmina e Caramelo que brincavam de bola.

Ao se virar para responder, a Galinha percebeu que Bálsanio já havia ido embora. “Que pavão mais estranho”, pensou. E continuou a olhar para Firmina e Caramelo, tinha vontade de se aproximar, sem saber, no entanto, como. Caramelo percebeu, foi ele que se aproximou primeiro. A Galinha procurou se desculpar, dando mil explicações. Caramelo e Firmina ouviram sem dizer uma palavra. Ao final da explanação, Firmina perguntou “Você vai querer jogar bola com a gente?”. A Galinha balançou a cabeça afirmativamente. A brincadeira rendeu boas risadas e muita diversão. A Galinha percebeu então que não precisava da peninha, ela já tinha o que era mais importante: os seus amigos.


lunes, 2 de marzo de 2020

Maternidade: O emergir do novo


Assim que um bebê vem ao mundo, o ser da mãe é ressignificado, incorporando novos medos, inseguranças, e um novo sentido para palavras como felicidade e amor. Vem também o desejo de que aqueles pequenos olhos, ao nos olharem, reflitam a melhor versão de nós mesmas. E isso nos fortalece.
O olhar infantil traz consigo o emergir do novo, capaz de trazer à tona as possibilidades nunca vividas, os sonhos adormecidos. O olhar infantil é como uma brisa fresca num dia de calor intenso, daquelas que quando toca nossa pele nos faz fechar os olhos, respirar fundo e sorrir. Revigorante. O olhar infantil traz a realidade pintada com outras cores e isso apaga um pouco da monotonia ou monocromia que muitas vezes a vida impõe. E não é preciso ser mãe para ver isso, basta ser um bom observador.
Dentro deste processo de buscar a melhor versão de si mesma, cuidado para não extrapolar e se exigir demais. Há um ponto essencial que às vezes deixamos escapar: não importa se o seu filho foi programado ou se nasceu de um acaso da vida, se você leu todos os livros sobre maternidade ou se nem teve tempo para pensar nisso, se fez pilates e hidroginástica até os nove meses ou se ficou deitada no sofá se entupindo de comida, se o quarto é todo decorado ou divido com mais três ou quatro irmãos, se conseguiu amamentar ou não, se trabalha ou decidiu ficar em casa, independente de como foi a gravidez ou o parto, o seu filho vai ter total admiração por você. Isso é fato.
Não é o filho que exige que você seja melhor, é o reflexo da esperança que reside na potência, recheado de alternativas possíveis. Não se esqueça que procurar ser uma pessoa melhor é sempre uma ótima opção para se seguir, mas não deixe que esta vontade ou necessidade se torne um peso a ponto de sufocar. Num mundo sem fôlego, respirar é sempre a melhor opção.
Thatiane Moreira

lunes, 17 de febrero de 2020

Maternidade: Aquele Abraço


Logo no início da manhã, uma voz ecoava no quarto vizinho: Mamãe! Se minha luta com o sono se estendesse por muito tempo, a voz se alongava: Mamããããeeee! E assim se repetia, até que eu, descabelada e muitas vezes sem encontrar um pé do chinelo, caminhava ao encontro daquela voz.

Às vezes, bastava passar pela porta para ver os olhinhos me espiando por cima do berço, seguido de um sorriso sincero e contagioso. Outras vezes, eram os pezinhos que apareciam balançando entre as grades do berço. Eu me debruçava e ficava por um tempo olhando, ora brincando de fazer cócegas, ora cantando, já sem lembrar do peso da noite mal dormida ou pouco dormida. Tenho, no entanto, que admitir, que mesmo que o cansaço desaparecesse momentaneamente, ele sempre voltava com força total, algumas horas ou alguns minutos depois.
Assim que eu a tirava do berço vinha o abraço. Apertado e intenso. Aqueles braços miúdos apertavam o meu pescoço, e eu a apertava contra o peito, sentindo o cheiro de seus cabelos, uma mistura de odores, entre o shampoo e o suor da noite quente. Eu fechava os olhos, procurando absorver cada gotinha daqueles segundos de felicidade plena. Sem cobrança, sem pressa, sem peso. Só o agora. Só nós.
Certas vezes, ao acordar ou durante o dia, o abraço era tão prolongado que envolvia braços e pernas. Eu dizia, “você parece um carrapatinho” Ela ria. Mesmo sem saber o significado daquelas palavras. Então eu girava o meu tronco, fazendo-a rodar. Eram só gargalhadas
É verdade que, nos momentos de pressa, misturado com cansaço, os bracinhos ficavam estendidos pedindo o abraço, e eu repetia: “Agora não dá. Mamãe está ocupada”. Eu chegava mesmo a ficar brava. Certas vezes cedia àqueles olhinhos persistentes, atrasando o jantar ou deixando um livro de lado.
 Nestes momentos, ao perceber que eu estava contrariada, ela dizia: Mamãe! E encostava a cabeça no meu ombro, deixando o rosto bem colado ao meu. A pressa e o nervosismo passavam a disputar lugar com o carinho, e a vontade de não se mover.  Por mais que desejasse ficar abraçada, as obrigações estavam ali, cutucando, então eu afastava os bracinhos miúdos, sentindo-me culpada. Como o sentimento de culpa acompanha a maternidade! Com o tempo a gente aprende a lidar com ele, ou pelo menos tenta.
Aos poucos, os bracinhos foram deixando de ser tão miúdos, já eram raras as vezes que me abraçavam o pescoço, enlaçavam-se pela minha cintura. Chegou até o momento que os papeis se inverteram, era eu que precisava pedir pelo abraço. Ora ele vinha rápido, até mesmo sem vontade. Breve. Ora a intensidade voltava, que parecia que queria se grudar ao meu corpo.
A maternidade está longe de ser um mundo encantado, no qual todos sorriem e são felizes o tempo todo. É um caminho difícil, transformador, dolorido, que faz momentos aparentemente banais ganharem importância. É verdade que o tempo tira a vivacidade do momento, faz com que as lembranças fiquem embaçadas. Mas, mesmo que não seja possível se lembrar exatamente da sensação daquele momento, tem algo que persiste, que atravessa os anos. Pode ser que eu não me lembre mais do dia preciso no qual aquele abraço aconteceu, apesar de que sempre vou me lembrar de que ele existiu, e de que, de certa forma, foi capaz de me mostrar como a felicidade pode ser simples e intensa.
Thatiane Moreira

lunes, 10 de febrero de 2020

Cidadania: Os dois pais


Pedro estava ansioso para chegar ao sítio do tio Elias. Este era o ponto alto das férias de verão. Nadar no riacho com o primo Léo, pescar, olhar as estrelas enquanto o tio Elias contava histórias que faziam todo mundo rir. Sem falar, é claro, do delicioso bolo de chocolate da tia Carminha. Incrível!
Geralmente ficavam por lá só dois ou três dias, parece pouco, mas para Pedro e Léo era tempo suficiente para várias aventuras e muita diversão.
- Está demorando para chegar. Ainda falta muito? Perguntou, impaciente, Pedro.
- Calma, já estamos chegando. Respondeu a mãe.
- Eita, menino impaciente. Completou o pai.
O sol ainda estava se espreguiçando quando eles chegaram no sítio.  Era possível até ouvir o cacarejo atrasado de um galo.
- Bom dia, sejam bem-vindos! Chegaram numa hora boa. O café já está servido. Disse tio Elias, com um largo sorriso no rosto, enquanto abria o portão para que o carro entrasse.
- Bom dia. Tem um menininho aqui no carro que não via a hora de chegar. Respondeu o pai, retribuindo o sorriso.
- Como você cresceu Pedro. Já está um rapazinho. O Léo também está impaciente. Não para de perguntar de você. Comentou tio Elias, apoiando-se na janela do carro. E, completou: Venham, entrem. Vamos conversar enquanto tomamos um gole de café.
A casa continuava florida, como no ano passado. E o cheirinho de bolo já tomava conta do ar. Léo estava balançando em uma das redes da varanda, ao ouvir o barulho do carro, pulou e saiu correndo ao encontro de Pedro.
- Venha Pedro. Quero mostrar meu novo amigo. Disse Léo, puxando a mão de Pedro
- Calma aí garotinho, cadê o beijo dos tios? E o primo precisa comer algo antes de ir brincar. Advertiu tio Elias. Pedro não disse nada, apesar de querer muito ir brincar com Léo, o cheirinho de bolo falou mais alto.
Ao entrarem na casa viram tia Carminha, que acabara de tirar o bolo do forno. Ela cumprimentou todos com um aconchegante abraço. Todos sentaram-se à mesa, menos os dois meninos, que pegaram um pedaço de bolo cada um e saíram correndo.
- Pedro, Pedro, para onde você está indo? Perguntou a mãe.
- Vou conhecer o novo amigo do Léo. Respondeu Pedro, já na varanda.
- Não se preocupe. Eles vão até o pomar, de lá o Léo chama o Vinícius, nosso novo vizinho. Ele chegou há duas semanas. Brinca aqui em casa quase todos os dias. É um menino muito educado. Hoje os pais do Vinícius vêm almoçar com a gente. Informou tia Carminha.
Enquanto os adultos conversavam e comiam, os meninos chegaram ao pomar. Lá, Léo subiu em uma pedra, perto da cerca que separava as duas propriedades e gritou:
- Vinícius, Vinícius. O Pedro chegou.  Disse Léo, com muita empolgação.
Meio minuto depois, um menino, ainda de pijamas, apareceu perto da cerca.
- Vinícius, este é o Pedro. Meu melhor amigo. Apresentou Léo.
- Oi Pedro. Respondeu Vinícius, com uma voz baixa. Parecia tímido ou envergonhado.
 - Vem para cá, para a gente brincar. Convidou Léo.
- Tem bolo de chocolate. Completou Pedro. Já com a boca toda lambuzada.
- Vou avisar meus pais. Espera um pouco. Animou-se Vinícius.
O dia começou muito divertido. Os três novos amigos subiram nas árvores, nadaram no riacho, empinaram pipa, brincaram com os cachorros, até que decidiram jogar bola. Pedro e Léo adoravam imaginar que eram jogadores profissionais, daqueles bem famosos. Enquanto jogavam bola, Léo deu um chute muito forte, tão forte, que a bola foi parar na rua.
-Papai, papai. A bola caiu lá na rua. Tem que abrir o portão para pegar. Disse Léo, com ar apressado.
- Calma aí, já vou lá com vocês. Eu vou segurar os cachorros. Respondeu tio Elias.
A rua era calma, quase não aparecia carro. A bola foi parar perto de três meninos que conversavam apoiados nas bicicletas. Eles não viram tio Elias, que estava afastando os cachorros, para que não fugissem.
- De quem é essa bola aqui? Perguntou um dos meninos, o que parecia mais velho.
- É minha. Respondeu Vinícius, sem se aproximar.
- Você é o menino que não tem mãe, não é? Você é muito estranho, tem dois pais e nenhuma mãe. Que eu saiba, o certo é a gente ter um pai e uma mãe e não dois pais. Disse o menino que parecia mais velho, enquanto os outros dois riam. E completou: A gente nasce da barriga da mãe. E você, nasceu da barriga do pai? Os três caíram na gargalhada.
Enquanto subiam na bicicleta, jogaram a bola com força contra o peito de Vinícius. Ele não disse nada. Léo e Pedro, que estavam ao seu lado, também ficaram calados. Ao perceber que Vinícius estava chorando, Pedro pegou a bola e a entregou para ele. Vinícius se manteve calado, pegou a bola e foi para a casa.
- Por que os meninos disseram que ele tem dois pais? Perguntou Pedro, intrigado.
- Ele foi adotado por dois pais. Sabe o que é adotado? Quando seus pais não querem ou não podem ficar com você, daí você ganha novos pais. Foi isso que meu pai me disse.  O Vinícius não tem mãe, igual a gente. Quer dizer, ele nasceu da barriga de uma mãe, igual todo mundo, mas ele é criado por dois pais. Foi isso que minha mãe me explicou. Respondeu Léo, enquanto voltavam para casa.
- Eu não sabia que as pessoas podiam ter dois pais. Perguntou Pedro, espantado.
- As pessoas podem ter dois pais, ou duas mães, ou apenas um pai, ou uma mãe, ou um pai e uma mãe como a gente. Minha mãe disse que tem famílias de todos os tipos. Disse Léo.
- Eu só conheci família com pai e mãe. Tem um amigo da escola, que os pais não moram na mesma casa, mas ele fica um pouco com um e um pouco com outro. Comentou Pedro.
- Meu pai disse que a maioria das pessoas tem pai e mãe e que só algumas pessoas têm dois pais ou duas mães. E que não tem problema isso. Meu pai disse que toda família é família, o principal é ter amor e carinho. Informou Léo.
- O Vinícius ficou triste. Mencionou Pedro.
- Ele me disse que isso já aconteceu com ele outras vezes. Os pais dele disseram para ele não brigar, para ele sair de perto e não se importar com que os outros pensam. Mas ele fica triste mesmo assim. Revelou Léo.
- Cadê o Vinícius? Perguntou o tio Elias.
- Ele foi para a casa. Os meninos na rua deram risada dele, porque ele tem dois pais. Respondeu Léo.
- Isso que os meninos fizeram é muito errado. Isso se chama preconceito. É uma palavra muito feia. É muito ruim ser preconceituoso. Sabe por que? Indagou tio Elias.
Os dois meninos balançaram a cabeça negativamente.
- O preconceito traz tristezas. Assim como aconteceu com o Vinícius. Disse tio Elias.
- Eu não quero ser preconceituoso, disse Pedro.
- Nem eu. Afirmou Léo.
- Pode deixar, no que depender de nós vocês vão aprender a não ser preconceituosos. Disse tio Elias, enquanto fazia cosquinhas na barriga dos dois meninos. E completou: Eu vou ligar para os pais do Vinícius para saber se está tudo bem. De qualquer forma, eles vão almoçar com a gente hoje. Daqui a pouco devem estar chegando.
Algumas horas depois, os três amigos estavam novamente criando novas brincadeiras e aventuras, no maravilhoso mundo infantil, enquanto os adultos, sentados à mesa, conversavam .

viernes, 7 de febrero de 2020

Maternidade: Entre o caos e a transformação



No dia em que umas mãos tão pequenas tocaram pela primeira vez os meus dedos, minha vida nunca mais foi a mesma. Na verdade, para ser sincera, a transformação já vinha ocorrendo aos poucos, desde o momento que soube que estava grávida. Os medos, os anseios, as prioridades foram aos poucos se modificando.
Mas, mesmo que as transformações já viessem ocorrendo, não se comparam com o primeiro encontro, nem com as várias primeiras vezes que daí decorreram. Primeira mamada: é o leite que não desce, é o seio que dói, é o bebê que não pega direito. Primeira troca e a preocupação se a fralda está apertada demais, ou se está solta demais, se limpa com lenço umedecido ou se usa apenas algodão e água. Primeiro banho, aquele corpinho todo mole, o medo de fazer algo errado. E falando nisso, este tal medo de fazer algo errado me acompanhou bem de pertinho. Quando eu menos esperava, lá estava ele do meu lado, soprando inseguranças no seu ouvido.
E o que falar daqueles primeiros dias depois de sair do hospital? O corpo que parece que não é mais seu. Dói o abdômen se for cesárea, dói para sentar se for parto normal, a barriga está inchada e murcha ao mesmo tempo, os seios estão enormes e tão duros que parecem que vão explodir a qualquer momento. E, as vezes realmente explodem, e você fica lavada de leite. A aflição para ir ao banheiro (fazer o n.02 e as vezes até o n.01), o absorvente gigante, a cinta pós-parto e o pijama eterno, que completa o look sensual da nova mãe.
Os hormônios em desencontro, que nos levam da felicidade ao ódio mortal em um piscar de olhos, na verdade, nem sei se é possível fazer as distinções de sentimentos nesta fase, está tudo tão misturado que você nem sabe dizer ao certo o que está sentindo.
E para completar o quadro, o bebê chora. E você não sabe muito bem por quê. Pega no colo. Olha a fralda. Tudo certo. Deve ser fome. Você aproxima o bebê do peito, que já começa a jorrar leite. Enquanto você tenta amamentar de um lado, o outro seio parece uma cachoeira. O bebê pega um pouco o peito e logo solta. E continua chorando. Não era fome. Deve ser cólica. Mas a pediatra disse que bebê com uma semana ainda não tem cólica. Você começa a caminhar com o bebê pela casa. Ele continua chorando. O que será que ele quer? Você pensa quase em desespero. E o bebê continua chorando. Ah, meu filho, calma, por favor! Você não sabe se está dizendo isso para o bebê ou para si mesmo, já com lágrimas brotando pelos olhos. E vem a dúvida: será que eu vou ser uma boa mãe? Será que vou saber me virar sozinha com ele?
E está cena se repete, de manhã, à tarde, em plena madrugada. Você fica exausta. As suas únicas forças são dedicadas para aquele pequeno ser. E mesmo nos momentos de desalento, com o cabelo preso de qualquer forma, com as olheiras fundas, sem saber se vai conseguir tomar banho ou comer algo, quando você olha para ele, você sente o amor pulsar em cada célula do seu corpo. Parece exagero? O amor de mãe não nasce no coração, ele brota de cada parte do corpo e irradia para todos os cantos. É forte, sincero e generoso
É este amor que nos acalenta no difícil processo de tornar-se mãe, de perde-se para se reencontrar. Como se o “eu” que você conhecia se dissolvesse, dando lugar para o “nós”, para só depois emergir um novo “eu”.
Até que o processo de transformação se organize, o caos domina a cena. É normal. Não se culpe por isso, ou por às vezes ficar com raiva de tudo. Não se julgue. Não use os parâmetros de antes para avaliar o agora. Tudo mudou. Respeito o seu momento. E, assim que você e o seu bebê começarem a se conhecer melhor, as coisas vão voltando ao normal, mesmo sem nunca mais serem as mesmas.

jueves, 6 de febrero de 2020

Texto Cidadania - A Gotinha sabida

Luiza voltou da escola, deixou a mochila sobre o sofá e correu para a cozinha. Estava com muita fome. Dava quase para ouvir o barulho que vinha da sua barriga. O cheirinho de comida estava tão gostoso! Mas, foi só Luiza sentar-se à mesa, para ouvir a avó dizer: 
- Luiza, já lavou as mãos? Você sabe que precisa lavar as mãos antes de comer.
- Tá bom, tá bom. Já vou. Respondeu Luiza, um pouco contrariada.       
- Mas antes, cadê meu beijo? Disse a avó com um sorriso no rosto.        
Luiza retribuiu o sorriso e correu para o banheiro. Lavou as mãos com água e sabão. Esfregou bem entre os dedinhos. Assim como havia aprendido na escola. A barriga começou a roncar de novo. Não dava para esperar mais, tinha que comer alguma coisa. Saiu tão apressada do banheiro que esqueceu a torneira pingando.     
As gotinhas escorriam e desciam pelo ralo da pia. Até que uma das gotinhas, ao invés de descer, subiu pela torneira e começou a gritar:                                        
- Torneira aberta! Torneira aberta!                                                            
Como ninguém respondeu, a Gotinha insistiu:                                          
- Torneira aberta! Torneira aberta!                                                
Luiza estava na cozinha, saboreando o delicioso almoço que a avó preparara. E foi então que ouviu um som que vinha do interior da casa. Era uma voz baixinha, como um sussurro. Luiza estranhou, mas não disse nada. Continuou se deliciando com a macarronada.  O som se repetiu, uma, duas vezes. Luiza ficou intrigada. E, curiosa que era, foi averiguar.                                             
Olhou no corredor. Não viu nada. Olhou na sala, estava vazia. Quando entrou no banheiro, ouviu:                                                                                                   
- Torneira aberta! Torneira aberta!                                                            
Sobre a pia, havia uma gotinha de água, que parecia bem apreensiva. E, ao perceber a presença de Luiza, completou:                                                              
- Consumo consciente, natureza preservada.                                            
Luiza fechou a torneira. Nunca havia conhecido uma gotinha que falasse. Antes que pudesse perguntar algo, a Gotinha completou:                                                
- É muito importante fechar bem as torneiras, os chuveiros, para evitar o desperdício de água. Nós somos muito importantes para a vida. Preste mais atenção. Consumo consciente, natureza preservada.                                                        
- Vou prestar mais atenção. Respondeu Luiza, que depois de uma breve pausa completou – Eu não sabia que gotinhas podiam falar.  De onde você veio? Da torneira?
- Eu saí pela torneira, mas eu venho de muito longe, lá do rio. Para chegar na sua casa eu fiz um caminho e tanto: saí do rio, passei por um tratamento com cloro e flúor, depois fui para o reservatório, em seguida para a rede de distribuição, até chegar no encanamento da sua casa e sair pela sua torneira.                                                  
- Tudo isso? Eu não sabia que você vinha de tão longe assim. E, quando você cai na pia, para onde você vai? Perguntou Luiza intrigada.                                            
- Toda a água que você usa na hora de lavar as mãos, tomar banho, lavar a roupa, louça, ou usar a descarga do vaso sanitário, se junta e forma o esgoto. Depois de cair pela pia é para lá que eu vou. Essa água toda que sai da sua casa vai até um conjunto de canos, que ficam lá na rua, para em seguida ir para a estação de tratamento, onde ficamos limpinhas, limpinhas, e, em seguida, somos devolvidas para o rio.                      
- Então você vai e volta o tempo todo? Indagou Luiza.                            
- Nem sempre. Algumas de nós se perdem pelo caminho, quando os canos estão furados, por exemplo, ou evaporam e vão formar chuva em outro lugar. Explicou a Gotinha.   
- Vocês formam a chuva? Espantou-se Luiza.                                          
- Sim. Quando a água do rio esquenta, com o calor do sol, por exemplo, ela evapora, virando vapor de água, este vapor, ao se misturar com o ar forma as nuvens. Você já viu que no céu, às vezes, ficam umas nuvens muito escuras? Pois é, são nuvens com muito vapor de água dentro. Estou vendo que você está com uma carinha de interrogação. Observou a Gotinha.
- É que não entendi muito bem o que é vapor de água? Disse Luiza.       
- Você já percebeu que sai uma fumaça da panela quando ela está no fogo? Então, isso é vapor. Quando o raio de sol nos esquenta, ficamos quentinhas, quentinhas e viramos vapor de água, formando as nuvens. E começamos a voar pelo céu, subindo e subindo. Até que um ar mais frio passa pela gente, como um vento gelado. E, quando ficamos geladas viramos água de novo e caímos em forma de chuva. Podemos cair em qualquer lugar, depende de onde o vento nos levou. Por isso, nem sempre caímos no rio. Explicou a Gotinha.                                             
- Entendi. Quando você vira vapor de água, você sai voando pelo céu. Até que encontra o vento frio e vira água de novo, caindo em forma de chuva e formando as poças de água. Eu adoro pular em poças de água. Comentou Luiza.                   
- Isso mesmo Luiza. Você entende rápido. Quando não chove tanto, a água do rio continua evaporando, mas não cai de volta. Por isso, os rios começam a ficar tristinhos, com pouca água. E, como é a água do rio que vai para a sua casa, pode ser que falte água para você lavar as mãos, ou tomar banho. Completou a Gotinha.          
- Para não faltar água é só chover? Indagou Luiza, como sempre muito curiosa.
- Sim e não. Respondeu a Gotinha. A chuva é muito importante, sem ela não há vida. Só que, para que tudo corra bem, cada um precisa fazer a sua parte. Quando uma pessoa desperdiça água, como quando deixa a torneira pingando, significa que ela não está respeitando a água que vem do rio. Está jogando água fora, sem necessidade, como se nós não fossemos importantes. Cada gotinha de água é importante. E, quando as pessoas não percebem isso e gastam mais água do que precisam, mais água é retirada dos rios sem necessidade, e os rios ficam mais vazios e tristes. Todos nós somos parte da natureza. Por isso que eu digo: Consumo consciente, natureza preservada. Explicou a Gotinha.
- Coitado dos rios! Não quero que eles fiquem triste. Vou sempre fechar bem as torneiras. Decidiu Luiza.
- Ótimo, isso é um excelente começo. Há muitas formas de desperdiço de água, algumas não estão dentro de casa, como é o caso do uso de água na plantação, nas fábricas, problemas nos canos que distribuem a água, outros fazem parte do nosso dia a dia, como no caso de fechar a torneira, não demorar muito no banho, reaproveitar o papel...                         
- O papel toma água? Interrompeu Luiza.                            
- Você é muito engraçada. O papel não toma água, é que para produzir o papel se usa muita água. Explicou a Gotinha.                                                           
Antes que Luiza pudesse perguntar alguma coisa mais, a sua avó gritou da cozinha:      
- Luiza, cadê você? Já terminou de almoçar? Eu trouxe um pouco de hortelã, vou fazer o suco de abacaxi com hortelã que você tanto gosta.                         
- Estou no banheiro vovó, já estou indo. E, virando-se para a gotinha disse: Preciso ir, minha vovó está me chamando. Depois eu volto.                             
A Gotinha sorriu.                                                                                       
Ao chegar na cozinha, a vovó já estava preparando o suco. Ao perceber a torneira da pia pingando, Luiza correu para fechar.                                                               
- Vovó, temos que fechar bem a torneira, para que não falte água e para que os rios não fiquem tristes. Toda gotinha de água é importante, somos todos parte da natureza. Consumo consciente, natureza preservada. Disse Luiza.             
- Onde você aprendeu tudo isso? Perguntou a vovó.                                 
              - Foi uma gotinha sabida que me contou. Pode deixar que eu vou lhe ensinar tudinho. Disse Luiza, feliz por fazer parte da natureza.