lunes, 17 de febrero de 2020

Maternidade: Aquele Abraço


Logo no início da manhã, uma voz ecoava no quarto vizinho: Mamãe! Se minha luta com o sono se estendesse por muito tempo, a voz se alongava: Mamããããeeee! E assim se repetia, até que eu, descabelada e muitas vezes sem encontrar um pé do chinelo, caminhava ao encontro daquela voz.

Às vezes, bastava passar pela porta para ver os olhinhos me espiando por cima do berço, seguido de um sorriso sincero e contagioso. Outras vezes, eram os pezinhos que apareciam balançando entre as grades do berço. Eu me debruçava e ficava por um tempo olhando, ora brincando de fazer cócegas, ora cantando, já sem lembrar do peso da noite mal dormida ou pouco dormida. Tenho, no entanto, que admitir, que mesmo que o cansaço desaparecesse momentaneamente, ele sempre voltava com força total, algumas horas ou alguns minutos depois.
Assim que eu a tirava do berço vinha o abraço. Apertado e intenso. Aqueles braços miúdos apertavam o meu pescoço, e eu a apertava contra o peito, sentindo o cheiro de seus cabelos, uma mistura de odores, entre o shampoo e o suor da noite quente. Eu fechava os olhos, procurando absorver cada gotinha daqueles segundos de felicidade plena. Sem cobrança, sem pressa, sem peso. Só o agora. Só nós.
Certas vezes, ao acordar ou durante o dia, o abraço era tão prolongado que envolvia braços e pernas. Eu dizia, “você parece um carrapatinho” Ela ria. Mesmo sem saber o significado daquelas palavras. Então eu girava o meu tronco, fazendo-a rodar. Eram só gargalhadas
É verdade que, nos momentos de pressa, misturado com cansaço, os bracinhos ficavam estendidos pedindo o abraço, e eu repetia: “Agora não dá. Mamãe está ocupada”. Eu chegava mesmo a ficar brava. Certas vezes cedia àqueles olhinhos persistentes, atrasando o jantar ou deixando um livro de lado.
 Nestes momentos, ao perceber que eu estava contrariada, ela dizia: Mamãe! E encostava a cabeça no meu ombro, deixando o rosto bem colado ao meu. A pressa e o nervosismo passavam a disputar lugar com o carinho, e a vontade de não se mover.  Por mais que desejasse ficar abraçada, as obrigações estavam ali, cutucando, então eu afastava os bracinhos miúdos, sentindo-me culpada. Como o sentimento de culpa acompanha a maternidade! Com o tempo a gente aprende a lidar com ele, ou pelo menos tenta.
Aos poucos, os bracinhos foram deixando de ser tão miúdos, já eram raras as vezes que me abraçavam o pescoço, enlaçavam-se pela minha cintura. Chegou até o momento que os papeis se inverteram, era eu que precisava pedir pelo abraço. Ora ele vinha rápido, até mesmo sem vontade. Breve. Ora a intensidade voltava, que parecia que queria se grudar ao meu corpo.
A maternidade está longe de ser um mundo encantado, no qual todos sorriem e são felizes o tempo todo. É um caminho difícil, transformador, dolorido, que faz momentos aparentemente banais ganharem importância. É verdade que o tempo tira a vivacidade do momento, faz com que as lembranças fiquem embaçadas. Mas, mesmo que não seja possível se lembrar exatamente da sensação daquele momento, tem algo que persiste, que atravessa os anos. Pode ser que eu não me lembre mais do dia preciso no qual aquele abraço aconteceu, apesar de que sempre vou me lembrar de que ele existiu, e de que, de certa forma, foi capaz de me mostrar como a felicidade pode ser simples e intensa.
Thatiane Moreira

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