Pedro estava ansioso para chegar ao sítio do tio
Elias. Este era o ponto alto das férias de verão. Nadar no riacho com o primo
Léo, pescar, olhar as estrelas enquanto o tio Elias contava histórias que
faziam todo mundo rir. Sem falar, é claro, do delicioso bolo de chocolate da
tia Carminha. Incrível!
Geralmente ficavam por lá só dois ou três dias, parece
pouco, mas para Pedro e Léo era tempo suficiente para várias aventuras e muita
diversão.
- Está demorando para chegar. Ainda falta muito?
Perguntou, impaciente, Pedro.
- Calma, já estamos chegando. Respondeu a mãe.
- Eita, menino impaciente. Completou o pai.
O sol ainda estava se espreguiçando quando eles
chegaram no sítio. Era possível até
ouvir o cacarejo atrasado de um galo.
- Bom dia, sejam bem-vindos! Chegaram numa hora boa. O
café já está servido. Disse tio Elias, com um largo sorriso no rosto, enquanto
abria o portão para que o carro entrasse.
- Bom dia. Tem um menininho aqui no carro que não via
a hora de chegar. Respondeu o pai, retribuindo o sorriso.
- Como você cresceu Pedro. Já está um rapazinho. O Léo
também está impaciente. Não para de perguntar de você. Comentou tio Elias,
apoiando-se na janela do carro. E, completou: Venham, entrem. Vamos conversar
enquanto tomamos um gole de café.
A casa continuava florida, como no ano passado. E o
cheirinho de bolo já tomava conta do ar. Léo estava balançando em uma das redes
da varanda, ao ouvir o barulho do carro, pulou e saiu correndo ao encontro de
Pedro.
- Venha Pedro. Quero mostrar meu novo amigo. Disse
Léo, puxando a mão de Pedro
- Calma aí garotinho, cadê o beijo dos tios? E o primo
precisa comer algo antes de ir brincar. Advertiu tio Elias. Pedro não disse
nada, apesar de querer muito ir brincar com Léo, o cheirinho de bolo falou mais
alto.
Ao entrarem na casa viram tia Carminha, que acabara de
tirar o bolo do forno. Ela cumprimentou todos com um aconchegante abraço. Todos
sentaram-se à mesa, menos os dois meninos, que pegaram um pedaço de bolo cada
um e saíram correndo.
- Pedro, Pedro, para onde você está indo? Perguntou a
mãe.
- Vou conhecer o novo amigo do Léo. Respondeu Pedro,
já na varanda.
- Não se preocupe. Eles vão até o pomar, de lá o Léo
chama o Vinícius, nosso novo vizinho. Ele chegou há duas semanas. Brinca aqui
em casa quase todos os dias. É um menino muito educado. Hoje os pais do
Vinícius vêm almoçar com a gente. Informou tia Carminha.
Enquanto os adultos conversavam e comiam, os meninos
chegaram ao pomar. Lá, Léo subiu em uma pedra, perto da cerca que separava as
duas propriedades e gritou:
- Vinícius, Vinícius. O Pedro chegou. Disse Léo, com muita empolgação.
Meio minuto depois, um menino, ainda de pijamas,
apareceu perto da cerca.
- Vinícius, este é o Pedro. Meu melhor amigo.
Apresentou Léo.
- Oi Pedro. Respondeu Vinícius, com uma voz baixa. Parecia
tímido ou envergonhado.
- Vem para cá,
para a gente brincar. Convidou Léo.
- Tem bolo de chocolate. Completou Pedro. Já com a
boca toda lambuzada.
- Vou avisar meus pais. Espera um pouco. Animou-se
Vinícius.
O dia começou muito divertido. Os três novos amigos subiram
nas árvores, nadaram no riacho, empinaram pipa, brincaram com os cachorros, até
que decidiram jogar bola. Pedro e Léo adoravam imaginar que eram jogadores
profissionais, daqueles bem famosos. Enquanto jogavam bola, Léo deu um chute
muito forte, tão forte, que a bola foi parar na rua.
-Papai, papai. A bola caiu lá na rua. Tem que abrir o
portão para pegar. Disse Léo, com ar apressado.
- Calma aí, já vou lá com vocês. Eu vou segurar os
cachorros. Respondeu tio Elias.
A rua era calma, quase não aparecia carro. A bola foi
parar perto de três meninos que conversavam apoiados nas bicicletas. Eles não
viram tio Elias, que estava afastando os cachorros, para que não fugissem.
- De quem é essa bola aqui? Perguntou um dos meninos,
o que parecia mais velho.
- É minha. Respondeu Vinícius, sem se aproximar.
- Você é o menino que não tem mãe, não é? Você é muito
estranho, tem dois pais e nenhuma mãe. Que eu saiba, o certo é a gente ter um
pai e uma mãe e não dois pais. Disse o menino que parecia mais velho, enquanto
os outros dois riam. E completou: A gente nasce da barriga da mãe. E você,
nasceu da barriga do pai? Os três caíram na gargalhada.
Enquanto subiam na bicicleta, jogaram a bola com força
contra o peito de Vinícius. Ele não disse nada. Léo e Pedro, que estavam ao seu
lado, também ficaram calados. Ao perceber que Vinícius estava chorando, Pedro pegou
a bola e a entregou para ele. Vinícius se manteve calado, pegou a bola e foi
para a casa.
- Por que os meninos disseram que ele tem dois pais?
Perguntou Pedro, intrigado.
- Ele foi adotado por dois pais. Sabe o que é adotado?
Quando seus pais não querem ou não podem ficar com você, daí você ganha novos
pais. Foi isso que meu pai me disse. O
Vinícius não tem mãe, igual a gente. Quer dizer, ele nasceu da barriga de uma
mãe, igual todo mundo, mas ele é criado por dois pais. Foi isso que minha mãe
me explicou. Respondeu Léo, enquanto voltavam para casa.
- Eu não sabia que as pessoas podiam ter dois pais.
Perguntou Pedro, espantado.
- As pessoas podem ter dois pais, ou duas mães, ou
apenas um pai, ou uma mãe, ou um pai e uma mãe como a gente. Minha mãe disse
que tem famílias de todos os tipos. Disse Léo.
- Eu só conheci família com pai e mãe. Tem um amigo da
escola, que os pais não moram na mesma casa, mas ele fica um pouco com um e um
pouco com outro. Comentou Pedro.
- Meu pai disse que a maioria das pessoas tem pai e
mãe e que só algumas pessoas têm dois pais ou duas mães. E que não tem problema
isso. Meu pai disse que toda família é família, o principal é ter amor e
carinho. Informou Léo.
- O Vinícius ficou triste. Mencionou Pedro.
- Ele me disse que isso já aconteceu com ele outras
vezes. Os pais dele disseram para ele não brigar, para ele sair de perto e não
se importar com que os outros pensam. Mas ele fica triste mesmo assim. Revelou
Léo.
- Cadê o Vinícius? Perguntou o tio Elias.
- Ele foi para a casa. Os meninos na rua deram risada
dele, porque ele tem dois pais. Respondeu Léo.
- Isso que os meninos fizeram é muito errado. Isso se
chama preconceito. É uma palavra muito feia. É muito ruim ser preconceituoso.
Sabe por que? Indagou tio Elias.
Os dois meninos balançaram a cabeça negativamente.
- O preconceito traz tristezas. Assim como aconteceu
com o Vinícius. Disse tio Elias.
- Eu não quero ser preconceituoso, disse Pedro.
- Nem eu. Afirmou Léo.
- Pode deixar, no que depender de nós vocês vão
aprender a não ser preconceituosos. Disse tio Elias, enquanto fazia cosquinhas
na barriga dos dois meninos. E completou: Eu vou ligar para os pais do Vinícius
para saber se está tudo bem. De qualquer forma, eles vão almoçar com a gente
hoje. Daqui a pouco devem estar chegando.
Algumas horas depois, os três amigos estavam novamente
criando novas brincadeiras e aventuras, no maravilhoso mundo infantil, enquanto
os adultos, sentados à mesa, conversavam .